"Todos nós conhecemos o som de duas mãos quando aplaudem, qual seria o som de uma única mão?"

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Zelig e Lacan

Pretendemos fazer uma leitura do filme Zelig, de Woody Allen, utilizando como ferramenta de interpretação a teoria do Estádio do Espelho de Jaques Lacan.
      Segundo Lacan esse período designa um momento psíquico e ontológico da evolução humana, situado entre os primeiros seis e dezoito meses de vida, durante o qual a criança antecipa o domínio sobre sua unidade corporal através de uma identificação e da percepção de sua própria imagem num espelho.
     Num primeiro momento ao deparar-se com sua imagem no espelho ele não a reconhece como imagem e sim como um outro.
      No segundo momento percebe ser uma imagem, mas não se identifica com ela, internamente se sente esfacelado, pois está em conflito com a imagem que vê, compacta, mas sua sensação corpórea não unifica as partes.
     No terceiro momento a criança se reconhece na imagem, sabe que é apenas reflexo, e que esse reflexo é dela. É quando ocorre o júbilo. A sensação de corpo esfacelado dá lugar a sensação de um corpo unificado ortopedicamente.
  “ O estádio do espelho é um drama cujo alcance interno se precipita da insuficiência para a antecipação e que, para o sujeito, tomado no equívoco da identificação espacial, urde os fantasmas que se sucedem de uma imagem esfacelada do corpo pra uma forma que chamaremos ortopédica de sua totalidade”. ( Lacan, 1949)
    Está etapa é compreendida como uma metáfora do olhar materno. O olhar da mãe é que é o espelho, e dá um sentido para esse corpo esfacelado. O cuidado com o bebê é que unifica aquilo que num primeiro momento está confuso. A imagem, que é o olhar da mãe promove a estruturação do eu, terminando com essa vivência psíquica singular que Lacan designa o fantasma do corpo esfacelado.


                                                  O FILME



      No filme de Woody Allen o personagem principal Zelig, curiosamente transforma-se em seu interlocutor assumindo sua forma física e parte de seu comportamento.
      Devido a essa característica ímpar e depois de inúmeras aparições sociais onde causa muito estranhamento, Zelig é recolhido em um manicômio. A comunidade científica se reúne para discutir o caso e está dividida quanto a causa de seu distúrbio.
     Uns acreditam tratar-se de causas neurológicas, ao passo que outros acreditam ser de outro tipo de origem orgânica.
    Só com a entrada da personagem da psiquiatra Dra Flechter é que o distúrbio de Zelig é tratado como de origem psicológica.
    Em seções de psicoterapia e usando a técnica da hipnose a doutora consegue com que zelig lembre-se da primeira vez em mentiu para não sentir-se diferente dos outros: foi na escola, quando seu grupo de amigos falava sobre o livro Moby Dick, que ele não havia lido. Nesse momento afirmou ter lido como forma de fazer parte do grupo.
   Daí em diante, afirma o personagem, começou assumir a forma de seu interlocutor como uma maneira de senti-se mais seguro.
    Relata também que era discriminado no bairro quando era criança e que também seus pais não o defendiam. O pai lhe passara uma imagem que a vida era sem sentido e muito dura, e a mãe aparece como quem lhe proporcionou poucos cuidados.
   A idéia da Dra Flechter é um tratamento psicoterápico em uma casa de campo, onde ela e o paciente teriam uma oportunidade maior para entrarem no universo interior do mesmo. No ínicio das seções Zelig insistia em afirmar que ele era psiquiatra e precisava voltar à cidade, pois era muito solicitado. Depois de várias seções infrutíferasa Dra teve a idéia de entra no jogo de Zelig.
    Ela assumiu o papel de paciente e pediu a ele que a ajudasse com o seu problemade mentir para se sentir segura. Nesse instante zelig se fragiliza, e constrangido em ver seu problema no outro, e abre a guarda permitindo que a Dra o hipnotize e acesse seu mundo interior, revelando seu aspecto inconsciente.
   Conscientemente ela lhe fornece carinho, atenção absoluta , e nos meses que se seguem Zelig começa ser ele mesmo e não mais sente necessidade de torna-se o outro.
   A afeição com a Dra se transforma em amor, Zelig é condecorado como cidadão emérito pelo prefeito e depois de algumas reviravoltas casa-se com a Dra Flechter no final.



                           ZELIG E O ESTÁDIO DO ESPELHO


    Em várias cenas do filme pode-se observar a metáfora do estádio do espelho na vida de Zelig.  Na sua infância, quando relata que seus pais não o defendiam e que o fenômeno do mimetismo não se dava perto de mulheres, pode-se concluir que o olhar materno que lhe foi dirigido não permitiu que unificasse seu corpo esfacelado de bebê.
    O espelho que era o olhar da mãe não permitiu que Zelig entrasse em seu ideal de eu e coincidisse com o desejo dela. Essa etapa estruturante da personalidade é que permitiria com que ele, num primeiro momento se sentisse acolhido e seguro para se entender como um inteiro.
   Com essa falha em seu narcisismo para senti-se seguro no mundo, começou a tornar-se o outro como forma de reconhecimento de algo que ele não possui: o reconhecimento de si mesmo, que não lhe foi dado pelo olhar da mãe.
   Quando em seção terapêutica a Dra lhe devolve a imagem dele como sendo médico psiquiatra Zelig não se reconhece. Seu eu não está unificado, é difícil enxergar-se nessa imagem que o outro lhe devolve. Seus mecanismos de defesa caem por terra e através de uma dedicação espontânea a Dra consegue com que ele retome uma imagem com contornos mais nítidos de si, onde a atenção consciente que ela lhe dirige e o afeto, permitem que ele possa unificar sua personalidade antes esfacelada.


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